
Aproveitando o final de Cordel Encantado, abro espaço no blog para publicar uma crítica sobre a novela, escrita pelo jornalista e ator Breno Motta Rodrigues.
Quando o conto de fadas acontece
Nesta sexta, 23 de setembro, chegou ao fim a novela Cordel Encantado, da TV Globo. Um sucesso de audiência e de crítica, um trabalho apurado das autoras Thelma Guedes e Duca Rachid que encantou o público no horário das seis. Depois do relativo sucesso de O Profeta, em 2006, e de Cama de Gato, em 2009, ambas se reuniram novamente para escrever uma história baseada na literatura de cordel, o que agradou em cheio os mais diferentes tipos de espectadores. De crianças a adultos, o amor de Açucena (Bianca Bin) e Jesuíno (Cauã Reymond) mostrou a todos que é possível sim apresentar teledramaturgia de qualidade.
É comum que tramas passadas no Nordeste brasileiro façam a cabeça do telespectador. Como exemplo, pode-se citar as versões cinematográfica e televisiva de O Auto da Compadecida, em 1999, e outras tantas obras marcantes, como Tieta (1989), Pedra Sobre Pedra (1992) ou Hoje é Dia de Maria (2005). No entanto, a grande inventividade de Cordel é justamente o aspecto lúdico da trama, com príncipes e princesas, reis e rainhas e uma narrativa que em muito lembra tantos os contos de fadas. Açucena foi de “A Bela Adormecida” à “Gata Borralheira”, o que pode ser um fator que explique o enorme carisma da personagem diante das crianças. Bianca Bin, em sua terceira novela, ganhou todos os pontos com uma interpretação cativante de uma mocinha que tinha tudo para ser chata e repetitiva. Mostrou segurança e é uma das grandes promessas da maior emissora de TV do país.
Já Cauã Reymond, o grande herói da novela, mostrou-se um ator que faz com que seu par brilhe. Ele e Bianca revelaram uma química perfeita e pudemos torcer de abril a setembro para os protagonistas de Cordel Encantado, mesmo que Nathália Dill tenha mostrado mais um ótimo trabalho no papel da “antagonista” de Açucena. Nathália, aliás, compôs uma Doralice forte e meiga, ao mesmo tempo, o que não a reduziu em apenas mais uma vilãzinha querendo roubar o galã da mocinha. Outro destaque do quarteto principal é o versátil Bruno Gagliasso, sempre pronto a encarnar grandes personagens. Timóteo garantiu grandes cenas para a novela, com seu ar de coronelzinho arrogante, por vezes engraçado, por vezes amalucado.
É fundamental que os protagonistas de uma novela estejam com esses níveis de atuação demonstrados pelos jovens atores que encabeçaram o elenco de Cordel Encantado. E, por falar em elenco, a minuciosa Amora Mautner acertou na escalação. Destaque para Domingos Montagner, uma revelação como Herculano; para Cláudia Ohana, desprovida e despida de todas as personagens feitas anteriormente, numa bonita composição de Siá Benvinda; Osmar Prado, como o dúbil Batoré; Heloisa Périssé, mostrando a atriz versátil que é com sua Neusinha; Lucy Ramos, contida como sua Maria Cesária pedia; Ana Cecília Costa e Enrique Diaz, a Virtuosa e Euzébio, pais de criação da princesa de Seráfia; e Ilva Niño, numa interessante criação da mãe de Herculano, o Rei do Cangaço, depois de tantas personagens que nada tinham a dizer.
Obviamente que, quando uma novela faz sucesso, os responsáveis por isso são muitos. Todo o elenco de Cordel merece aplausos: Felipe Camargo, Emanuelle Araújo, Guilherme Fontes, Berta Loran, Tuca Andrade, Mohamed Harfouch e Andréia Horta, entre outros. Interessante foi ver as participações de dois atores que são quase que exclusivos do meio teatral: Zé Celso Martinez, como Amadeus, e Mariana Lima, como a Rainha Helena. Prova de que tanto as autoras quanto a diretora Amora Mautner possuem um olhar que mostra a valorização da interpretação. Além de todos eles, ainda merecem aplausos o fofo casal Inácio e Antônia, de Maurício Destri e Luiza Valdetaro, numa trama absolutamente linda e cheia de romantismo; a excelente atriz que é Luana Martau, como a Lady Carlota; os disfarces de Belarmino, do incrível João Miguel; a engraçada Filó de Flávia Rubim; e a participação especial hilariante de Mayana Neiva como a atriz de cinema Vicentina Celeste.
Cordel Encantado ainda apresentou cenários, figurinos, trilha sonora irrepreensíveis. Com certos toques de modernidade, esses três elementos não deixaram que a trama de época ficasse restrita a uma data. O árido sertão nordestino ganhou colorido. E a literatura de cordel ganha mais ainda ao se mostrar para todo o país. Desde Que Rei Sou Eu? (1989) não se via uma novela com tamanha inventividade, com tamanha mistura de elementos de diferentes formas e tempos. Sem as famosas “barrigas”, Cordel foi espichada devido ao seu sucesso, o que não a tornou repetitiva. Talvez os desmandos de Timóteo e sua luta contra os bandos de cangaceiros pudessem não ter se repetido durante as últimas semanas; talvez outros bons personagens pudessem ter sido melhor aproveitados; porém, o que fica é a obra prima de Thelma, Duca, Amora e Ricardo Waddington (competente diretor de núcleo). Um quarteto que, assim como seus quatro protagonistas, mostraram absoluta personalidade e consistência nesse trabalho primoroso.
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